No limite da Fluidodinâmica

Em trabalhos recentes existe grande interesse em explorar as interações entre líquidos e superfícies. Estes estudos possuem aplicações que vão da produção de superfícies altamente repelentes a água a tecidos anti-mofo e muito mais. O completo entendimento sobre o que acontece em uma superfície e como isso influencia as propriedades no seio do líquido é uma tarefa desafiadora devido aos limites de escala envolvidos no processo. Veja a cavitação como exemplo: quando as hélices de um navio giram suficientemente rápido, a pressão ao longo do caminho das hélices cai substancialmente permitindo que o gás dissolvido na água forme bolhas. Estas bolhas reduzem a eficiência da hélice, geram muito barulho (muito ruim se o objetivo é se manter quieto) e causa erosão na hélice. As bolhas normalmente se formam em uma escala nanométrica e crescem rapidamente a escalas micro ou milimétricas antes de colapsarem conforme a pressão volta ao normal.

Assim, para entender a cavitação deve-se lidar com fenômenos que ocorrem entre as escalas nano e milimétricas (uma diferença de 6 ordens de magnitude!). Computacionalmente, isso significa usar um tamanho de malha que possua detalhamento para capturar efeitos em escala nano assim como ter espaço suficiente para incluir as bolhas de tamanho milimétrico. Experimentalmente, as técnicas existentes para visualizar escalas muito pequenas são de captura muito lenta e não funcionam muito bem em áreas muito grandes. Um trabalho recente [1] tentou avaliar ambas escalas simultaneamente e, ao fazer isso, mostrou como nossa percepção sobre as relações entre objetos em escalas nano e objetos macroscópicos falha miseravelmente.

Um fenômeno estranho que vêm sendo observado nos últimos anos são as nano-bolhas de superfície. Esses "carinhas" são bolhas de gás, com raios em torno de 100 nm, localizadas entre a interface de um líquido e um sólido. De acordo com a mecânica dos fluidos clássica, estas bolhas deveriam ser instáveis pois seu pequeno raio de curvatura induz uma forte pressão ao longo de sua superfície, o que deveria quebrar a bolha em mil pedacinhos. A Mãe Natureza, mostrando seu senso de humor, permite que esses "carinhas" sobrevivam por horas a fio.

Os pesquisadorem teóricos usaram a presença e a persistência das nano-bolhas para fornecer possíveis mecanismos para, entre outras coisas, o escorregamento de fluidos em superfícies e o início da cavitação em uma superfície. Pesquisadores na Holanda começaram a explorar a relação entre a cavitação e as nano-bolhas de superfície. Eles escolheram condições de líquido-superfície que permitem o controle da densidade das nano-bolhas e usaram esta superfície para gerar bolhas de cavitação. Usando um microscópio atômico e uma câmera, eles foram capazes de mostrar que as nano-bolhas persistem mesmo se a pressão cai a 6 MPa conforme uma onda de choque passa pelas ditas. Além disso, eles mostraram que não existe uma relação óbvia entre a cavitação e as nano-bolhas.

Agora a situação é bem estranha... Nós temos bolhas que persitem em existir mas não deviam existir. Pior ainda, as bolhas não expandem quando a pressão cai e elas, aparentemente, não formam bolhas maiores. E o que podemos tirar disso tudo?
  • Primeiro, o método usado para medir as nano-bolhas é muito lento comparado à evolução da onda de choque. Dessa forma, não se tem a menor idéia do que acontece com a bolha quando a onda de choque passa por ela (isso indica que é necessário desenvolver técnicas de captação de imagem mais rápidas para escalas nano). Contudo, o fato das bolhas existirem antes e depois da onda de choque indica que estas não participam da cavitação.
  • Segundo, um raio de 100 nm fornece uma área superficial de aproximadamente 20 milhões de moléculas de água, o que não é um número muito grande. Eu me perguntaria até onde a fluidodinâmica, com sua hipótese do contínuo, pode ser aplicada sobre estas circustâncias. Na superfície das bolhas, essa pergunta já foi respondida, uma vez que o surgimento destas bolhas não conseguiu ser explicado usando a abordagem de mecânica dos fluidos clássica.
Contudo, é provável que as abordagens usadas até agora não fizeram uso das equações completas de Navier-Stokes, mas uma aproximação destas. Mas mesmo assim, é uma pergunta interessante: quão pequena deve ser a escala de um fluido até que este não seja mais um fluido?

Revisão Bibliográfica:
[1] B. M. Borkent, S. M. Dammer, H. Schönherr, G. J. Vancso e D. Lohse, Superstability of Surface Nanobubbles, Physical Review Letters, 98, 204502 (2007)

Adaptado de um artigo do Ars Technica. Quer saber mais sobre as nano-bolhas? Veja aqui, aqui e aqui.

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